sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Henfil e a caixa de sapatos

   Já passam das 22 horas e só agora parei para pensar nestes 25 anos de ausência do mano Henfil. Se não fosse o facebook e a postagem dos amigos, teria passado batido. Hoje não li jornal e nem vi tevê. Acho que levaria uma bronca do Henfil, não ler jornal? Nem ver o Jornal Nacional? Rapaz, por onde você anda? Que cabeça?

   Será que deu no New York Times? Afinal, foi com o filme dele que o jornal ficou conhecido no mundo todo, não foi?

   Também foi por conta deste filme que eu nunca mais vi o Henfil.
 
   O Henfil veio morar em São Paulo, dizia ele, por conta do movimento sindical e operário. Queria ficar próximo daquela agitação toda. Passeata de estudantes, greves, grandes assembleias, reconquista dos sindicatos que estavam nas mãos dos pelegos e a redemocratização do país. Veio para contribuir com o seu talento.Fez moradia num grande apartamento em Higienópolis, que ficava muito maior quando você entrava e só via uma sala mobiliada, com um sofá e uma tevê. Na sala uma grande mesa, com algumas cadeiras e nada mais.Tinha também uma escultura da graúna. Um grande espaço, dava até para jogar bola.
   Não demorou muito para que ele arrastasse um monte de cartunistas para lá. Achava que o trabalho isolado não levaria a lugar algum, e não tem profissão mais solitária que esta, a do cartunista.
   A primeira experiência seria fazer um lote de cartuns para os candidatos populares do MDB. Seria assim, a gente se reunia, escolhia os temas: saúde, educação, transporte, moradia, salário...tudo que era tema de interesse para os movimentos e que poderiam ser utilizados pelos assim chamados candidatos populares do MDB. As idéias eram coletivas, a gente ia rabiscando e colocando num monte, que depois seriam selecionadas e distribuídas entre os artistas. Mas era uma lavada, enquanto a gente espremia a cabeça para sair uma ideiazinha, o Henfil rabiscava um montão. Uma melhor que a outra. E ria, ria muito das que a gente fazia. Depois de prontas, as charges foram oferecidas aos candidatos a custo zero.

   Naquela época os computadores estavam chegando, na redação em que eu trabalhava tinha um. Era um horror! A gente tinha aula para aprender a mexer naquilo. Tinha a máquina mas não os programas, então para fazer uma página da revista era uma tortura. Recuar uma linha então, era preciso usar uma tabela. A coisa era complicada, a gente ficava olhando de lado, e pensando, uma canseira danada pra fazer uma página! Imagina uma revista inteira, com textos, fotos, títulos, quadros, legendas...e todos diziam que este era o futuro. Todos, menos o Henfil. Ele dizia que a máquina era boa para o pessoal do texto, mas para o pessoal das artes gráficas não. Imagina só o computador fazer um círculo, falava ele, nunca que vai fazer!

  E olha que o Henfil era o único cara que tinha uma máquina de xerox em casa. Além da sala mobiliada, da mesa, das cadeiras, e da escultura da graúna, ele tinha uma máquina xerox no apartamento só para ele. Era o máximo de tecnologia gráfica que alguém poderia atingir naqueles dias. Podia ampliar, reduzir, montar e remontar seus desenhos a vontade. Mas também era uma necessidade, pois trabalhava para o Globo e não gostava de enviar os originais com medo de se perderem. Então ele xerocava os desenhos, no tamanho certinho que iriam ser publicados, retocava e enviava via malote para o Rio. Depois voltavam, com o carimbo do jornal e  a data da publicação. Todos eram guardados numa caixa de sapato, dava certinho para colocar duas colunas de charge em cada caixa.

   Um dia ele me deu uma destas caixas: é para você usar, tá liberado para os movimentos sociais, nem precisa me consultar.

   Não sei se ele escolheu, mas tinha cartum de tudo quanto era tema: saúde, educação, moradia...tudo! E logo apareceu a oportunidade de usar os desenhos. O PT só estava começando, nem se sabia direito como seria o partido, sei que resolveram fazer umas cartilhas de formação e os temas eram aqueles de sempre: saúde, educação, moradia...então cedi os desenhos do Henfil para eles. É triste dizer que nunca vi tais cartilhas.
E a caixa de sapatos?
Ai, se eu tivesse uma máquina de xerox.